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Brasil: Democracia Vibrante e Economia Solida



ARTIGO DE Joseph Stiglitz

Premio Nobel de Economia


Os mercados mundiais parecem estar torcendo o nariz para o Brasil nesse exato momento. Podem estar tao enganados a respeito do Brasil como os especialistas em futebol mundial no comeco do verao.

Quando a Copa do Mundo comecou, voce recorda, a selecao brasileira era considerada talentosa, mas falha. No entanto, de alguma maneira o Brasil mais uma vez se tornou o vencedor da Copa do Mundo. O pais, da mesma maneira, tambem podera demonstrar que e' tao surpreendente e cheio de recursos.

Realmente, nos anos recentes, o Brasil criou uma democracia vibrante com uma economia solida. Ele merece um voto de confianca dos investidores e dos lideres politicos. A vitoria do Brasil na Copa nao tem nenhuma relacao com essas reformas, mas a criatividade da equipe diz muito sobre o espirito do pais.

Como em qualquer democracia vibrante, existem opinioes divergentes. Nem todos os americanos estao empolgados com a acelerada conversao do superavit de tres trilhoes em deficit, promovida por Bush, assim como a maioria nao apoia a sua proposta de privatizar o sistema de seguridade social da America, que tanto fez pela erradicacao da pobreza entre os americanos idosos.

Nas questoes fundamentais dentro do Brasil, no entanto, existe um amplo consenso politico (nao unanimidade, mas ninguem pode esperar isso) e ele inclui todos os principais candidatos nas proximas eleicoes presidenciais que acontecerao em outubro. Ha um consenso, por exemplo, em torno de solidas politicas fiscais e monetarias: ninguem deseja retornar `a hiperinflacao das decadas anteriores.

A politica monetaria do Brasil foi administrada extraordinariamente bem por Arminio Fraga (meu ex-aluno), mas por tras dele existe uma instituicao poderosa, com as capacidades analiticas de um banco central de primeiro mundo. A iniciativa tomada pelo Banco Central do Brasil para aumentar a transparencia e a abertura e' um modelo para bancos centrais ao redor do mundo - no mundo desenvolvido assim como no menos desenvolvido.

Certamente, podem existir desentendimentos a respeito dos ajustes de sintonia fina da economia, porem sao rotineiros em qualquer democracia. Tambem reina um amplo consenso de que enquanto os mercados estiverem no centro de uma economia bem sucedida, havera um papel importante para o governo.

O governo do Brasil, por exemplo, promoveu uma das mais bem sucedidas privatizacoes nas telecomunicacoes, mas tambem se empenhou por uma concorrencia mais acirrada e por politicas de regulamentacao.

Ao contrario da America, quando o pais enfrentou uma crise de eletricidade, nao ficou sentado `a toa, dizendo deixem que as forcas dos mercados (que, nos EUA, significavam manipulacao do mercado pela Enron e pelas demais) "tomem conta" da questao; em vez disso, o governo apareceu com acoes energicas. Como americano, observei com inveja como o Brasil encontrou o seu caminho em meio a uma situacao muito dificil.

O Brasil e' um pais dotado de recursos humanos e materiais extraordinarios. Ele pode ser chamado de mercado emergente, porem conta com instituicoes de pesquisa, educacionais e financeiros de primeira classe. As discussoes sobre a economia em Sao Paulo sao tao sofisticadas como em Nova York.

Os seminarios universitarios no Rio sao tao animados como os de Cambridge, de Massachusetts ou do Reino Unido. O pais fabrica um dos mais requintados avioes do mundo - tao bons que os concorrentes nos paises mais industrializados vem tentando impor barreiras comerciais.

Mas o Brasil, com todos os seus pontos fortes, tem uma fraqueza critica: um elevado grau de desigualdade. E ' uma fraqueza que (ao contrario da America) tambem goza de um amplo consenso; a maioria concorda que ela precisa ser equacionada e que o governo tem a obrigacao de faze-lo.

O governo atual obteve avancos extraordinarios na educacao. Ha dez anos, 20% das criancas em idade escolar no Brasil nao estavam frequentando as escolas; agora esse numero caiu para 3%. Seja quem for o vencedor da eleicao, quase certamente continuara a incrementar os investimentos em educacao.

Da mesma maneira, agricultores sem terra representam um problema economico e social e a administracao atual se incumbiu declaradamente a seguir adiante com uma emocionante reforma agraria baseada no mercado, que ate recebeu apoio do Banco Mundial. Seja quem for o ganhador da eleicao, muito provavelmente dara sequencia a um vigoroso programa de reforma agraria.

No tocante `a epidemia de Aids, o Brasil enfrenta desafios ao seu sistema de saude e, apesar de podermos concordar ou discordar dos metodos especificos adotados pelo governo brasileiro, uma coisa e' certa: todos reconhecem que se trata de uma grande responsabilidade do governo. Alem disso, qualquer que seja o vencedor dessa eleicao, seguramente espelhara esse vasto consenso nacional.

A divida brasileira em relacao ao PIB e' moderada - melhor do que a registrada nos EUA quando Bill Clinton se tornou presidente e muito melhor do que a do Japao e de varios outros paises europeus.

Diferentemente de seu vizinho ao sul (antes da crise da Argentina), o Brasil tem um regime cambial flexivel: sua moeda nao esta supervalorizada - pelo contrario, esta depreciada. Com exportacoes vigorosas, nao devera ter nenhum problema em cumprir suas obrigacoes com a divida, contanto que as taxas de juros nao disparem a niveis que transformem o problema em uma profecia que se auto-realiza.

O Brasil abriu uma trilha que nao esta baseada em ideologia ou em politicas economicas excessivamente simplistas. Ele aproveita oportunidades ao mesmo tempo em que confronta e lida com duras realidades, quer sejam de falta de educacao, de terras, ou a Aids.

Ao tracar com exito o seu proprio curso, o Brasil criou um vasto consenso interno, respaldado em uma economia de mercado equilibrada e democratica. A vitoria do Brasil na Copa do Mundo pode nao ter nenhuma relacao com essas reformas, mas a criatividade daquela equipe vencedora diz muito sobre o espirito do pais.

Joseph Stiglitz ex-economista-chefe e vice-presidente Senior do Banco Mundial, e' catedratico de economia e financas da Universidade de Stanford, Premio Nobel de Economia de 2001 e autor de "Globalization and its Discontents".

(omitimos a acentuacao grafica)

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